Por João Gouveia, responsável pela eMobility da Siemens Portugal
A COP28 chegou ao fim com o acordo entre os países sobre a necessidade de uma “transição para o abandono dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos”. São vários os setores que ainda se baseiam maioritariamente em combustíveis fósseis, mas o dos transportes é um dos principais, ao ser responsável por cerca de um quinto das emissões mundiais. Como sabemos, acelerar a descarbonização da mobilidade passa, entre outras vertentes, pela expansão do parque automóvel elétrico. Mas, como em qualquer mudança, esta transição traz os seus próprios desafios, como é o caso do ritmo, por vezes lento, de desenvolvimento das infraestruturas de carregamento necessárias para dar resposta à procura crescente.
Quem já utiliza um carro 100% elétrico, como é o meu caso, sabe o que é ter de lidar com a range e a charging anxiety (ansiedades relacionadas com a autonomia e o carregamento), que se centram essencialmente em ultrapassar duas preocupações: a primeira está relacionada com a possível incapacidade de chegar ao destino pretendido, por carga insuficiente, e a segunda é sobre a dificuldade de encontrar ou utilizar um carregador durante a viagem.
Em viagens de longo curso, mesmo com um planeamento cuidado, é frequente encontrarmos obstáculos: as estações de carregamento identificadas podem estar inativas, ocupadas no momento em que precisamos mesmo de carregar ou proporcionarem um carregamento mais lento do que o previsto e, tudo isso, irá impactar os nossos planos. Além disso, dependendo do estilo de condução e das próprias condições da estrada (piso, inclinação, condições meteorológicas, entre outros fatores), a autonomia do carro pode variar e obrigar a ajustar a viagem.
Estas ansiedades são, de facto, dois dos principais motivos que travam a vontade de comprar um carro elétrico: a autonomia e a logística do carregamento. E estes dois pontos não saem, indubitavelmente, da cabeça de quem já utiliza um carro elétrico no dia a dia. Mas serão estas preocupações válidas? Vejamos ponto a ponto.
- A autonomia é insuficiente? A resposta a esta pergunta depende dos percursos habituais de cada um. De acordo com o Eurostat, um português faz 18,4 quilómetros por dia, em média. Ao mesmo tempo, a média da autonomia dos carros elétricos situa-se, neste momento, acima dos 300 quilómetros e a perspetiva é que continue a aumentar em linha com os avanços tecnológicos. Ou seja, para o uso normal diário, a necessidade de carregamento andará à volta de uma vez por semana ou até menos. Reconheço que este pode ser um desafio para viagens mais longas – já lá iremos –, mas não para o quotidiano.
- Há falta de infraestrutura de carregamento? Apesar dos esforços recentes em Portugal, ainda não podemos dizer que a infraestrutura de carregamento seja suficiente, principalmente quando se projeta que a procura por carros elétricos vá continuar a crescer. Note-se que, recentemente, pela primeira vez, o mercado nacional de venda de automóveis foi dominado por um carro elétrico. Contudo, segundo um estudo da Mobi.E, divulgado em outubro de 2023, o país precisa de 76.000 novos postos de carregamento de veículos elétricos até 2050, para cumprir as metas ambientais e de mobilidade que assumiu. Idealmente, os condutores de veículos elétricos deveriam poder usufruir da mesma comodidade e simplicidade que os carros tradicionais proporcionam, mas ainda há um caminho por fazer.
É também desejável garantir e acelerar o apoio para aquisição de viaturas elétricas, tanto no PRR, onde se definiu a meta dos 15 mil pontos de carregamento em Portugal até ao final de 2025; como no orçamento de estado de 2024 e seguintes. Desta forma conseguiremos garantir a transição para a mobilidade sustentável.
- A infraestrutura de carregamento é funcional? Atualmente já é relativamente fácil, com recurso a aplicações de smartphone, encontrar um carregador disponível e perceber se está ocupado ou a funcionar. Aqui ainda há pormenores a melhorar, como por exemplo a disponibilização de mais e melhores informações em tempo real e a comunicação entre sistemas, assim como a monitorização do estacionamento indevido que possa estar a bloquear o acesso a uma estação de carregamento. Além disso, será preciso facilitar a resolução de problemas à distância através de serviços remotos.
- O carregamento demora demasiado tempo? Este continua a ser o calcanhar de Aquiles da mobilidade elétrica. De facto, será necessária uma maior aposta em carregadores ultrarrápidos, essenciais para viagens mais longas. Porque, sejamos honestos, ninguém quer passar períodos que parecem intermináveis em estações de serviço, à espera que o carro carregue, quando vai a caminho das tão merecidas e desejadas férias. Vejo, por isso, com bons olhos a aposta da Engie Vianeo que instalou 320 carregadores ultrarrápidos nas estações de serviço de autoestradas em França, incluindo 175 produzidos em Portugal, na nossa Fábrica de Corroios. Assim, passo a passo, tornaremos as estações de carregamento tão omnipresentes e convenientes como os postos de abastecimento tradicionais.
Quatro perguntas, quatro respostas… que estão a ser dadas em conjunto, em ecossistema, pelos tecnólogos e investigadores, pelos fabricantes de automóveis, pelos fabricantes de carregadores para veículos elétricos, pelas associações do setor, pelo Governo, pelas empresas que comercializam energia e exploram as estações de serviço, pelos condutores que querem mais e melhor para o planeta! Temos um caminho longo a percorrer? Temos! Mas que seja ao volante de um carro elétrico.