Perdas em Portugal com fraudes no conta-quilómetros podem superar 66,4 milhões de euros anuais, aponta estudo

'carVertical', empresa de dados do setor automóvel, realizou uma pesquisa em 22 países da Europa e nos EUA com o objetivo de apurar a forma como os Governos locais estão a tratar a fraude da quilometragem e que tipo de legislação é posta em prática

Perdas em Portugal com fraudes no conta-quilómetros podem superar 66,4 milhões de euros anuais, aponta estudo

Portugal perde, anualmente, dezenas de milhões de euros em multas por cobrar relacionadas com a manipulação do conta-quilómetros.

A manipulação da quilometragem é uma prática comum no mercado de veículos usados, que acarreta perdas financeiras tanto para os compradores burlados como para os governos. A ‘carVertical’, empresa de dados do setor automóvel, realizou uma pesquisa em 22 países da Europa e nos EUA com o objetivo de apurar a forma como os Governos locais estão a tratar a fraude da quilometragem e que tipo de legislação é posta em prática.

Ao que parece, a atitude em relação à fraude do conta-quilómetros nos diferentes países varia significativamente: desde a ausência de legislação até uma multa no valor máximo de 300 mil euros em França e uma pena de prisão de até 8 anos na Croácia.

Embora as burlas em Portugal sejam ilegais, as fraudes nos conta-quilómetros continuam a acontecer

Em Portugal, a adulteração do conta-quilómetros é considerada crime por fraude e pode ser sancionada com uma pena de prisão de até 3 anos ou com uma multa. No entanto, a decisão final do juiz pode depender de muitos fatores e, na maioria das vezes, os burlões conseguem evitar sentenças pesadas. Isto acontece não só a Portugal, mas também a outros países.

Na vizinha Espanha, não é ilegal manipular o conta-quilómetros para uso pessoal. No entanto, se alguém manipular o conta-quilómetros de um veículo para obter um benefício económico direto, isso é considerado fraude. Se o comprador considerar que o vendedor tinha conhecimento desta atividade fraudulenta e a praticou para obter lucro, deve apresentar uma queixa. O burlão pode ser condenado a uma pena de prisão de três anos e meio se a autoridade conseguir provar a infração. Além disso, o comprador pode solicitar o pagamento de uma indemnização por danos.

Já em França, é proibido manipular qualquer informação relativa ao conta-quilómetros. A manipulação do conta-quilómetros é punida por lei, com uma multa máxima de 300 mil euros e 2 anos de prisão.

A título de comparação, 4,6 % dos veículos verificados na ‘carVertical’ em Espanha tinham sido alvo de manipulação, 3,3 % em França e 2,2 % em Portugal, o que sugere que a legislação atual não desencoraja os infratores de praticarem fraudes de quilometragem.

Segundo os peritos da plataforma, se houvesse uma hipotética coima de 3 mil euros por cada fraude e se todos os proprietários de veículos manipulados fossem processados, Portugal poderia arrecadar até 40 milhões de euros por ano.

“Além disso, se as autoridades conseguissem estabelecer precedentes legais, é provável que reduzissem as taxas de fraude, o que é vital para o mercado de veículos usados. Um bom exemplo é precisamente o que todos os países precisam nestas questões de transparência do mercado de veículos usados”, afirma Matas Buzelis, diretor de Comunicação da ‘carVertical’ e especialista em automóveis.

Por outro lado, as pessoas que compram veículos com o conta-quilómetros adulterado costumam pagar 20% ou mais do valor real do veículo. De acordo com a pesquisa, as perdas financeiras dos compradores burlados em Portugal podem ultrapassar os 66,4 milhões de euros.

Não existe um sistema jurídico unificado para a fraude do conta-quilómetros

A maioria dos países investigados aplica multas e até penas de prisão pela fraude do conta-quilómetros, mas nem todos levam este crime a sério. Na Polónia, os burlões podem ser condenados a penas de prisão de até 5 anos, na República Checa – 2 anos, na Lituânia – 2 anos, na Itália – 3 anos e na Alemanha – 1 ano.

No entanto, trata-se de penas máximas que não costumam ser aplicadas a ninguém, já que as multas são mais frequentes. Uma legislação mais rigorosa não se traduz necessariamente num menor número de casos de fraude, uma vez que a falsificação é também um problema regional: a falsificação do conta-quilómetros é mais comum na Europa de Leste do que na Ocidental, devido aos rendimentos mais baixos e à existência de mais automóveis importados.

Por exemplo, na Letónia, as multas por aumentar ou reduzir propositadamente a quilometragem são de apenas 100 euros para os cidadãos particulares e de 1000 euros para as pessoas coletivas. Infelizmente, a Letónia é a campeã da fraude do conta-quilómetros – 12,9 % de todos os automóveis verificados na carVertical tinham quilometragem manipulada e, desde 2020, nenhuma pessoa foi acusada desta fraude.

“Não existe um sistema jurídico unificado para a fraude do conta-quilómetros. Se todos os cidadãos de todos os Estados-Membros da UE tivessem a mesma legislação para a fraude, conseguir-se-ia uma solução a longo prazo para este problema. No entanto, alguns países não encaram a questão com a mesma seriedade que outros e esse é um dos paradoxos com que as organizações globais se deparam”, explica Buzelis.

É difícil provar em tribunal uma fraude deste tipo

Embora a fraude de quilometragem seja, tecnicamente, ilegal em muitos países, a comprovação dos casos pode ser problemática. As transações transfronteiriças criam um ambiente de assimetria de informação entre compradores e vendedores de automóveis, abrindo oportunidades para comprar um carro num país e depois vendê-lo noutro com a quilometragem falsificada. Uma legislação adequada sobre a fraude do conta-quilómetros poderia atenuar a taxa destes crimes e incentivar os dados das transações de automóveis a viajar entre países de forma mais eficiente.

Uma vez que as leis nacionais não conseguem muitas vezes proteger os direitos dos seus cidadãos, os compradores devem sempre verificar o historial do automóvel usado antes de o comprar. Caso contrário, podem tornar-se numa das milhares de vítimas de fraudes de quilometragem em toda a Europa.
Metodologia

O presente artigo tem caráter meramente informativo e não constitui aconselhamento jurídico. O conteúdo pode não estar atualizado com os últimos desenvolvimentos jurídicos. Incluímos ligações a sites de terceiros para conveniência e obtenção de informações, mas não somos responsáveis pelo seu conteúdo ou exatidão. Não nos responsabilizamos por nenhuma ação tomada com base nas informações contidas neste artigo.

A ‘carVertical’ examinou relatórios reais do historial automóvel adquiridos pelos utilizadores da empresa, com o objetivo de determinar as taxas médias anuais de manipulação da quilometragem em países específicos. As leis de prevenção de fraudes e os números médios anuais de transações de automóveis em diferentes mercados também foram pesquisados em fontes publicamente disponíveis, entre outubro e dezembro de 2023.

Assim, os investigadores puderam calcular o valor monetário perdido por cada país em resultado de fraudes de quilometragem, utilizando a seguinte fórmula: (número de transações de automóveis x taxa de manipulação) x valor da multa. As perdas dos compradores burlados foram calculadas utilizando a mesma equação, mas adicionando também o montante médio que as vítimas da fraude do conta-quilómetros pagam a mais por um veículo (%).

A investigação foi realizada em 22 países: Polónia, Hungria, Reino Unido, República Checa, Lituânia, Roménia, França, Espanha, Itália, Eslováquia, Estónia, Letónia, Sérvia, Croácia, Portugal, Alemanha, Suíça, Áustria, Países Baixos, Dinamarca, Bélgica, e EUA.