Por Luís Gil, Membro Conselheiro e Especialista em Energia da Ordem dos Engenheiros
Já abordei aqui em artigos anteriores a possibilidade de utilização, na mobilidade e não só, de combustíveis líquidos com origem renovável, nomeadamente metanol (por exemplo em https://executivedigest.sapo.pt/opiniao/via-alternativa-para-a-descarbonizacao-do-transporte/ e https://executivedigest.sapo.pt/opiniao/metanol-como-solucao-para-o-armazenamento-de-hidrogenio/).
Essa aposta assenta em aspetos como a sua densidade energética, a facilidade de distribuição e armazenamento e a existência de infraestruturas para tal, podendo substituir diretamente os combustíveis fósseis e ser usados na maioria dos veículos com motor de combustão existentes. Esses combustíveis podem ser de origem biogénica (biocombustíveis) ou sintética (e-fuels), os primeiros assentes em biomassa residual (biocombustíveis avançados) e os segundos, por exemplo em CO2 capturado e hidrogénio verde.
Foram efetuados estudos sobre o ciclo de vida dos veículos com motor de combustão com utilização de metanol, usando as vias CO2-metanol ou biomassa-metanol para o caso chinês, que tem ainda uma eletricidade muito carvão-intensiva. A primeira via permitiu verificar que os veículos emitiriam menos 24% de CO2 ao longo do seu ciclo de vida em comparação com os veículos a gasolina tradicionais, sendo considerada uma alternativa razoável a partir de 2028 e a outra via a partir de 2030. No caso de sistemas elétricos menos baseados no carvão esta comparação será, naturalmente, ainda mais favorável. Sendo que o metanol permite ainda a consideração de veículos com fuel cells. Acresce também o facto de os veículos com motor de combustão serem muito menos intensivos em materiais críticos.
Uma notícia do MIT Technological Review de setembro 2022 que mencionava uma década de experiência da China em projetos pilotos no domínio do metanol para a mobilidade, referia que os motores a metanol podiam ser equiparados em eficiência aos motores diesel. Este país iniciou uma experiência com automóveis a metanol em 2012, incentivando os fabricantes de automóveis a desenvolver modelos para circular em algumas cidades, recolhendo dados sobre os seus impactos económicos e ambientais ao longo de seis anos. A conclusão foi que os carros a metanol podiam ser 21% mais eficientes em termos energéticos do que os carros a gasolina, sendo que emitiam 26% menos dióxido de carbono. O metanol também é uma opção atraente para abastecer veículos pesados de longo curso, como camiões. A aplicação e popularização de veículos a metanol seria o caminho mais realista e eficaz para o desenvolvimento saudável e sustentável no transporte”, segundo um porta-voz da Geely, um dos mais importantes grupos fabricantes automóveis chinês. De salientar também que potenciais perigos para a saúde foram também uma grande preocupação durante o programa piloto, embora os investigadores tenham concluído que o metanol não se revelou mais tóxico para os participantes do que a gasolina.
Como benchmark refira-se que já existem empresas a produzir metanol verde como a European Energy Company na Dinamarca (power-to-X) e a empresa En-erkem no Canadá (a partir de resíduos municipais) e a Carbon Recycling International na Islândia (que usa energia geotérmica).
E no caso português? Face ao que está projetado parece evidente que a produção destes tipos de combustíveis deveria assentar no hidrogénio verde cujos projetos se perspetivam com base em eletrolisadores e energia solar fotovoltaica. Veja-se, por exemplo a Estratégia Nacional para o Hidrogénio. Neste caso o hidrogénio seria o precursor dos combustíveis sintéticos. Isto permitira rentabilizar o investimento em novas tecnologias através do aproveitamento das infraestruturas existentes. Quem sabe até o desenvolvimento de um mercado de exportação, aproveitando também capacidades de armazenamento e transporte existentes.
Além disso, com frotas crescentes de navios a metanol ou mesmo amoníaco, este poderia ser um nicho de mercado num país com tanta tradição marítima. Por exemplo, o Global Maritime Forum refere que o setor do transporte marítimo pode requerer 1000 GW de eletrolisadores e 2000 GW de energia renovável para a procura marítima de combustíveis “limpos”.
Saliente-se ainda que, num estudo efetuado sobre a produção de hidrogénio verde à escala do GW em Portugal, publicado em março deste ano, ficou demonstrado que atualmente se pode contar com custos de produção de 3,7 €/kg H2 para sistemas híbridos (eólico/FV) em localizações favoráveis, mas que estes podem ser reduzidos para 2 €/kg H2 em 2040. Estes serão valores a ter em consideração para futuras avaliações técnico-económicas.
O carbono é um elemento essencial para todas as formas de vida conhecidas. E é o seu ciclo que alimenta a vida vegetal e animal no nosso planeta. Assim, porque não colocá-lo agora ao serviço da humanidade, sem prejudicar o ambiente?