A Pegaso foi um ponto de viragem na indústria automóvel europeia, em particular a espanhola, fazendo renascer das cinzas um setor que se aproximava do esquecimento no país vizinho: a marca de Wilfredo Ricart conseguiu não só reanimar a indústria mas também enfrentar o próprio Enzo Ferrari.
A Pegaso nasceu em 1946 como uma marca comercial de automóveis, camiões e tratores da ENASA (‘Empresa Nacional de Autocamiones Sociedad Anónima’), fundada por Wilfredo Ricart – foi criada no âmbito da divisão automóvel da Hispano-Suiza, então nacionalizada pelo Estado espanhol, para cobrir a necessidade espanhola de aumentar os veículos de transporte público e pesado.
O seu logótipo foi desenhado pelo próprio Ricart, que, ao regressar a Espanha depois de ter trabalhado no departamento de aviação da Alfa Romeo, decidiu dar à marca o nome do cavalo alado (embora no logótipo seja um cavalo sem asas, uma vez que este já estava registado pela petrolífera Mobil), que dentro do automobilismo, muitos consideraram ao longo da história como uma provocação a Enzo Ferrari e o seu ‘Cavallino Rampante’.
Com a entrada de Espanha na Comunidade Económica Europeia (CEE), e juntamente com a necessidade de atualizar uma gama obsoleta de veículos, em 1989 foi vendida, depois de ter sido aceite a oferta da Iveco, apesar de outras de maior valor como as oferecidas pela Volvo Trucks, a MAN e Daimler Benz, após os vetos de compra pela Comissão Europeia.
Os automóveis desportivos Pegaso nasceram com o objetivo de revitalizar a indústria automóvel espanhola, criando um ícone que representasse o orgulho do país pelo seu passado industrial, e servindo também como instrumento de prestígio e publicidade para a ENASA. Funcionou como o pretendido porque, apesar dos investimentos superarem os benefícios totais, foi possível reanimar e lançar as bases da indústria automóvel em Espanha – nenhum outro projeto teve tanto sucesso com o Pegaso.
Os veículos foram criados através de um processo lento que Ricart entendeu como aprendizagem, colocando a qualidade antes da quantidade para que o resultado final fosse um produto caro mas de qualidade, para que, uma vez acabado, compensasse o longo processo de preparação e espera do cliente. Praticamente todas as peças do carro foram criadas na própria fábrica da Pegaso, que apenas adquiria peças de terceiros como os travões da Lockheed ou os equipamentos de ignição da Bosch em último caso.
Pegaso Z-102 e Z-103
Com 86 unidades fabricadas entre 1951 e 1957 ao preço de 500 mil pesetas (30 mil euros ao câmbio atual, mas cerca de 15 mil para a situação da época), tornaram-se o ícone da marca. Estes tinham um design e qualidade de topo para a época, o que, somado ao desempenho super-desportivo, permitiu-lhes competir com marcas da categoria Ferrari, quebrando o recorde mundial de velocidade em 1953 ao atingir 244,62 km/h.
Eram equipados com um V8 dianteiro com diferentes versões e três cilindradas disponíveis: 2.500 (160 ou 180 CV), 2.800 (200 ou 260 CV) ou 3.200 cc (210 ou 280 CV), com transmissão manual de 5 velocidades e tração traseira nas rodas, com dimensões de 4.100 mm de comprimento, 1.640 mm de largura e 1.290 mm de altura e peso de 980 kg.
O chassis era feito de aço dobrado e soldado, conferindo-lhe grande rigidez, o que contrastava com uma cabina mais frágil que era sustentada pelo eixo de transmissão e pelas duas vigas laterais perfuradas, o que foi resolvido acrescentando resistência a esta parte da carroceria.
O projeto original, que produziu 12 unidades, foi de Medardo Biolino, mas devido à sua volumosa e pesada construção em aço, não teve sucesso e levou à decisão de modificá-lo e vender o chassis ao cliente, que teria de escolher a empresa externa que daria corpo ao carro.
Entre as carrocerias que estes montaram estavam as projetadas por Saoutchik (que produziu apenas 18 unidades), ENASA ou Touring, da qual foi responsável o amigo de Ricart na Alfa Romeo, Bianchi Anderloni, que construiu até 45 chassis e acabou por se tornar o favorito de Wilfredo, além de passar pelas mãos do designer Pedro Serra.
A colaboração com Serra surgiu depois de Wilfredo ter visto os seus designs concretizados num Pegaso privado, resultado final que lhe causou tanto prazer que o levou a querer trabalhar com ele, dando-lhe três chassis para trabalhar na sua modificação com um corpo conversível. No entanto, esta colaboração entre dois génios da época nunca ocorreria visto que o modelo se encontrava nos seus anos finais de vida, impossibilitando assim o correto desenvolvimento do projeto.
Mas, esses três chassis acabaram por se tornar o modelo Z-103, do qual existem apenas três unidades no mundo e que são: uma com carroceria conversível, como era o objetivo na época, outra para exposições estáticas por não possuir motor e uma terceira unidade ‘Frankenstein’ que foi montada com peças sobressalentes da produção do Z-102.
Wilfredo Ricart
O engenheiro responsável pelo projeto dos famosos Pegaso Z-102 e Z-103 nasceu em Barcelona em 1897 e desde muito jovem se interessou pela aviação. Formado em engenharia industrial, destacou-se nas áreas automóvel e aeronáutica, com importantes contribuições no projeto e fabricação de motores de aviões, automóveis e camiões.
Não só foi uma figura de destaque no automobilismo, mas também construiu uma carreira e ganhou vasta experiência no mundo dos negócios. Depois de fundar uma empresa automobilística em 1920 e dissolvê-la seis anos depois, fundou a empresa Ricart Motors and Automobiles, onde apresentou seu primeiro automóvel de passageiros de alto desempenho no Salão Automóvel de Paris em 1927.
Mais tarde, fundaria a Industria Nacional Metalúrgica e a empresa Ricart España, embora esta acabasse por fechar por pressões financeiras. Em 1959, depois de dois anos antes se ter reformado, regressou da refoma ao ser eleito presidente da Lockheed Joint Stock Company, que mais tarde se fundiria com outras marcas para formar o grupo DBA – Wilfredo seria CEO da área científica e técnica.
A sua jornada no mundo automobilístico começou quando tinha apenas 20 anos, ao trabalhar na oficina Vallet e Fiol onde fabricava motores de bombas d’água para a Hispano-Suiza, e onde, além disso, inventou para eles o carburol, combustível exclusivo para os modelos da marca. Mais tarde, em 1929, voltaria a colaborar com eles como designer independente, desenhando motores que a marca acabaria por produzir.
A sua experiência no automóvel continuou em marcas como Alfa Romeo, onde trabalhou em 1936 em Milão, e onde colaborou com Enzo Ferrari, além de se tornar diretor de Serviços de Projetos e Experiências de Competição da marca.
Após o fim da II Guerra Mundial, em 1945 regressou a Espanha e, juntamente com Juan Antonio Suanzes, criou o Centro de Estudos Técnicos Automóvel (CETA), no qual incorporou engenheiros da Alfa Romeo e onde se viria a tornar diretor, além de participar da criação da ENASA, da qual surgiria alguns anos depois a sua marca comercial Pegaso.