Recentemente, as maiores marcas automóveis mundiais passaram por uma verificação trimestral com os respetivos investidores – os resultados não são bons. Na verdade, as demonstrações financeiras mostraram ‘sangue na água’: a fonte da sua dor? Os veículos elétricos (EV).
As vendas de modelos totalmente elétricos diminuíram uniformemente em todo o Ocidente, incluindo na General Motors, Renault e na gigante de veículos elétricos Tesla. Mas, longe de ser um indicador de morte, a queda nas vendas é mais uma breve paragem cardíaca até ao ‘desfibrilhador’ traga a mudança elétrica de volta à vida – ou, no caso da Europa, antes da entrada em vigor das novas normas de emissões no próximo ano.
Como parte do Acordo Verde, a UE aprovou uma lei que proíbe a nova venda de automóveis com motor de combustão interna (ICE) a partir de 2035. Embora a lei esteja agora sob ataque dos eurodeputados de direita que querem vê-la revogada, contém marcos ao longo do caminho para trazer os fabricantes de automóveis. E a próxima ocorrerá em 2025, quando os fabricantes de automóveis deverão reduzir as suas emissões em 15% em comparação com uma base estabelecida em 2021.
Se não conseguirem cumprir esse valor de referência até ao final do ano, os fabricantes de automóveis serão multados em 95 euros por grama de CO2/km acima da meta para cada veículo não conforme vendido no bloco.
Vários fabricantes planeiam lançar novos modelos para coincidir com a meta mais rigorosa de emissões, salientou Pedro Pacheco, vice-presidente de investigação automóvel da empresa de consultoria ‘Gartner’ – por exemplo, a BMW deverá lançar o seu SUV totalmente elétrico Neue Klasse – um X3 eletrificado – no próximo ano, tendo já construído uma nova fábrica na Hungria para fabricar o modelo.
As vendas de EV que impulsionaram o setor até ao momento são da responsabilidade de pioneiros, como a Tesla – o mercado também foi impulsionado pela pandemia da Covid-19, quando as ordens de confinamento sufocaram a capacidade dos consumidores em viagens, lembrou Aron Kumar, citado pelo jornal ‘POLITICO’, sócio da ‘AlixPartner’: em vez das viagens, alguns consumidores apostaram tudo em carros elétricos.
Para manter esse volume de vendas, as marcas automóveis precisam de convencer o consumidor médio a comprar um EV, mas o setor ainda não atingiu o ponto de viragem no Ocidente, onde o modelo elétrico atinge a paridade de preços com o seu homólogo ICE. “Para que a eletromobilidade se difunda, são necessários veículos atraentes, especialmente no segmento de entrada”, indicou o CEO da Volkswagen, Thomas Schäfer, em maio último, ao anunciar a estratégia elétrica da marca alemã.
Questões específicas do setor, como a ansiedade quanto à autonomia e a falta de infraestruturas de carregamento, também afetam os consumidores, que citaram estas como as suas principais preocupações sobre a mudança para veículos elétricos num inquérito global realizado pela ‘AlixPartners’.
A percentagem de consumidores europeus participantes no inquérito que afirmaram que planeiam que o seu próximo veículo seja totalmente elétrico manteve-se inalterada nos últimos três anos, em 43%. A proporção de consumidores chineses que responderam positivamente à mesma pergunta, entretanto, aumentou de 85% para 97% no mesmo período, graças à robusta rede de carregamento do país.
As metas de emissões dos próximos anos podem ajudar a dar nova vida ao mercado europeu de EV, mas a forma da recuperação será provavelmente determinada pela China.
As marcas europeias lutam atualmente para competir porque ainda não têm modelos mais acessíveis ou que preencham os requisitos de tecnologia superior e uma excelente experiência de software – dois domínios em que as marcas chinesas se destacam. “Se se for muito bom em preço, mas esquecer o resto, não vai vender”, explicou Pacheco.
Os consumidores têm muitas opções totalmente elétricas no segmento de carros de luxo, como o BMW Série 7 ou o Tesla Model S, onde as taxas de penetração de EV estão próximas de 45%, informou Pacheco. Mas os modelos totalmente elétricos com ofertas de alta tecnologia estão em falta no mercado de média dimensão, onde os preços estão mais próximos dos 25 ou 30 mil euros para um ICE – e é isso exatamente o que os chineses têm oferecido.
Preocupados com a ameaça representada pelos modelos chineses mais baratos e cheios de tecnologia, os reguladores nos EUA e na Europa ergueram novas barreiras comerciais para travar temporariamente a sua expansão nos mercados ocidentais.
Mas a concorrência intensa e uma economia interna fraca significam que os fabricantes de automóveis chineses não estão a interromper a sua expansão, voltando antes os seus esforços para o seu próprio quintal. Se conseguirem uma posição suficiente em mercados como o Sudeste Asiático, a Índia e a Austrália, não precisarão de entrar nos mercados europeus ou dos EUA para reduzir consideravelmente as vendas dos fabricantes de automóveis ocidentais.
“O facto de estarem a inovar muito mais rapidamente e de o mercado estar a crescer mais rapidamente dá-lhes a licença para colocar coisas novas em jogo”, salientou Kumar. “Então, estão a definir o que será o futuro consumidor na China e o futuro consumidor dos EUA ou da Europa.”
O que está em jogo é a sobrevivência definitiva do negócio – facto recentemente reconhecido pelo CEO da Stellantis, Carlos Tavares. “Vamos ser desafiados, e diria brutalmente desafiados, pela ofensiva chinesa no mercado europeu”, referiu Tavares, durante a apresentação da sua linha fabril na Sérvia. “Estamos prontos para a luta.”