Por Pedro Saraiva, CEO da KINTO Portugal
Não é novidade que a Inteligência Artificial (IA) começa e continuará a revolucionar todos os setores, e a mobilidade não é exceção. A IA pode influenciar a mobilidade em várias dimensões; neste artigo, optei por duas, como ilustração: a IA para evoluir sistemas de mobilidade e a IA nas viaturas. A forma como nos deslocamos e acedemos a vários tipos de transporte mudou — e continua a mudar profundamente — graças aos avanços tecnológicos recentes. Contudo, a criação de um ecossistema inteligente e integrado que facilita a vida ao utilizador, onde a IA desempenha um papel central, não está isenta de desafios, apesar de todos os benefícios inerentes ao novo paradigma que vivemos.
Quanto ao primeiro ponto, a meu ver, o principal impacto da IA no setor da mobilidade é o aumento da eficiência operacional e da experiência do utilizador. Atualmente, já temos à nossa disposição aplicações que permitem o planeamento de trajetos e a gestão de frotas, baseadas numa análise em tempo real de grandes volumes de dados (por exemplo, trânsito, informação de rodovias), para otimizar a eficiência da frota, percursos e reduzir os tempos de viagem (por vezes por caminhos para nós, humanos, inimagináveis…). No caso das empresas de mobilidade, os sistemas inteligentes permitem entregar aos seus clientes informação crucial para uma gestão de frota mais eficiente, como taxas de ocupação, comportamentos de condução, monitorização dos veículos e manutenção preventiva, entre outros.
Ainda nesta vertente, a transformação da experiência do utilizador é outro aspecto relevante da aplicação da IA na mobilidade. A oferta de soluções mais personalizadas e ajustadas às necessidades de cada cliente é crucial, principalmente em áreas urbanas, onde a procura por soluções de transporte flexíveis, rápidas e acessíveis é elevada. São várias as aplicações que podem sugerir as melhores formas de deslocação: umas mais genéricas, como o Google, e outras mais específicas e locais, como o GVB em Amsterdão. Estas recomendam o melhor trajeto/opção, com combinações de meios de transporte alternativas e direcionando para a mais adequada, tendo em conta fatores como o tempo, o custo e/ou o impacto ambiental. Há também uma rápida evolução de casos de uso de IA para uma utilização mais eficiente dos meios de distribuição de bens (por exemplo, em smart delivery, last mile delivery nas cidades). A integração de serviços de mobilidade, como o aluguer flexível de veículos, os transportes públicos e a micromobilidade, em plataformas digitais centralizadas, cria um ecossistema de mobilidade mais acessível e conveniente. Claro que, em contrapartida, a segurança dos dados gerados pelas tecnologias de IA, principalmente no que respeita aos hábitos de deslocação, suscita uma discussão profunda sobre privacidade e proteção de dados, sendo que considero que serão necessárias algumas concessões para conseguirmos melhores experiências nesta área.
Na segunda vertente, quanto ao veículo, há pelo menos dois desenvolvimentos que vão transformar a mobilidade (in-car): os sistemas ADAS (Advanced Driver-Assistance System) e AD (Autonomous Driving). Muitos de nós já usufruímos do ADAS nos veículos que conduzimos. Os sistemas de segurança proativa usam sensores que, processando informação, permitem corrigir o comportamento dos condutores (desaceleração na proximidade de outro veículo, correção de rota, alerta de ângulo morto, etc.). O processamento de enormes quantidades de informação com IA, que tem sido superacelerada pela evolução dos processadores (vejam a evolução que a NVIDIA trouxe neste campo), reduzirá o número de acidentes para cerca de 30% a 40% dos níveis atuais. Por exemplo, o Alibaba Group e a NVIDIA anunciaram uma colaboração para usar IA e Smart Driving em produtores do setor automóvel chineses (OEMs chinesas). Já no AD, há enormes avanços. A Waymo, fundada há 15 anos como o projeto de self-driving da Google, estabeleceu-se finalmente em 2016; tem cerca de mil viaturas em operação (das 80.000 anunciadas em 2018) em várias cidades dos EUA e assinou, recentemente, uma parceria com a Uber para gerar tráfego para os seus veículos (em Autonomous Driving) e melhorar as taxas de utilização. As empresas mencionadas são suportadas por IA que permite a condução sem condutor, usando informação em tempo real e suportada numa alta capacidade de processamento de informação. No entanto, é um caminho longo e árduo, que consome enormes recursos financeiros. Uma alternativa para otimizar esses investimentos é a possível utilização da sua própria tecnologia em parceria com fabricantes automóveis (OEMs). Por exemplo, há rumores na indústria de que a Hyundai Motors Company poderá estar interessada. A Tesla está muito avançada em AD e também há esperanças de se tornar um fornecedor de outras OEMs, conforme referem artigos da especialidade.
Estamos a assistir à criação de uma nova mobilidade, mais eficiente e sustentável, com o potencial de melhorar a qualidade de vida nas cidades e dos cidadãos. Além do exposto, é necessário investir em infraestruturas adequadas para suportar várias soluções de mobilidade inteligentes e considerar todos os desafios legais e éticos para que a mobilidade progrida, tal como tem acontecido noutras áreas de negócio. Mas está muito mais próximo da realidade do que se pensa.