Por Pedro Saraiva, CEO da KINTO Portugal
A discussão sobre a transição energética e o futuro dos combustíveis na mobilidade é um dos temas que ganhou ainda mais relevância com o Corporate Average Fuel Economy, também conhecido como C.A.F.E., a exigir uma redução progressiva das emissões, feitas pelo setor automóvel. Como referi num artigo anterior, a transição energética é, sem dúvida, um dos maiores desafios que enfrentamos, resultante da dependência dos combustíveis fósseis para diversas atividades económicas. As consequências dessa dependência, não apenas para o ambiente, mas também para a saúde pública e a economia global, tornam imperativo considerar alternativas sustentáveis que garantam a mobilidade e ajudem a melhorar o nosso planeta. Contudo, a transição energética não se limita apenas à eletrificação.
A mobilidade deve ser vista de forma holística, incorporando alternativas como o hidrogénio, biocombustíveis e soluções de mobilidade partilhada. Os biocombustíveis, como o biodiesel e o bioetanol, são soluções que existem há décadas; apesar de não serem muito conhecidas, a verdade é que todos nós já as usamos há muitos anos. Além de reduzirem as emissões de gases de efeito estufa, os biocombustíveis são utilizados em motores de combustão interna existentes, facilitando a transição para uma mobilidade mais sustentável sem a necessidade de grandes alterações nas infraestruturas de fabrico e distribuição de combustíveis líquidos. No caso do biodiesel, a sua incorporação faz-se por mistura no diesel (a indicação B7 significa que a mistura que está a abastecer tem 7% de biodiesel) e na gasolina com bioetanol (B10, sendo que 10% do volume de combustível é bioetanol).
Os biocombustíveis começaram por ser fabricados a partir de óleos vegetais, que resultam da separação da parte sólida e líquida (ou seja,os óleos) das sementes de soja, palma e colza. À data, pretendia-se aumentar a produção da parte sólida, que é usada para alimentação animal, dando um destino aos óleos resultantes desse processo. Supostamente, havendo excesso de produção desses óleos (da separação anteriormente referida) poderiam ser (e foram) usados para produção de biocombustíveis. A introdução de critérios objetivos de sustentabilidade, desde a produção agrícola das sementes até ao consumo dos biocombustíveis, foi determinante para quantificar a redução de emissões de CO2 e outros gases nocivos na cadeia de valor. Como é frequente, a avidez humana veio a prejudicar-se a si própria, tendo-se descoberto, através de imagens de satélite, a desflorestação massiva, na Ásia (por exemplo), para fomentar a plantação de palma e, com isso, a produção de óleo de palma (que também é usado na indústria alimentar, pelas suas características químicas e físicas muito particulares).
Em suma, o biocombustível produzido a partir de óleos vegetais acabou por ser limitado, através de regulamentação europeia, e está em declínio. Nasceram também, por decreto, os biocombustíveis “avançados”, cujo objetivo é promover a sua produção, por exemplo, através de reciclagem de óleos vegetais alimentares largamente usados na fritura. Uma ideia ótima, mas que tem uma logística de recolha muito complexa e pouco eficiente. Há metas de incorporação de biocombustíveis avançados, tal como houve metas para os biocombustíveis de origem vegetal. Estas metas já estão a acontecer, uma vez que grande parte do biodiesel usado na mistura com o gasóleo já cumpre com estes requisitos. Há um outro tipo de biocombustíveis avançados, os HVO (Hydrogenated Vegetable Oils), que chegam a reduzir as emissões de CO2 em 90%. Uma das maiores empresas a produzir HVO é a Neste Oil, com investimentos muito consideráveis na reconversão de refinarias de crude tradicionais em mega instalações de produção de HVO. A grande vantagem do HVO é que não necessita de ser misturado com diesel, não tem qualquer limitação técnica. Por exemplo, no Reino Unido, o preço deste biocombustível é ligeiramente mais caro do que o diesel. Em Portugal, ainda não é distribuído.
Os biocombustíveis continuarão a ser usados enquanto existirem motores de combustão em circulação. Têm sempre um efeito positivo nas reduções de CO2, mesmo os originais de origem vegetal (que gradualmente vão cair em desuso). Com a transição para vendas integrais para veículos BEV a partir de 2035, a utilização de biocombustíveis na mistura com diesel e/ou gasolina continuará a ter o seu lugar. Tal como os biocombustíveis de óleo vegetal estão em declínio, as exigências sobre os combustíveis avançados serão cada vez maiores. Seguramente que o HVO tem um lugar único, vamos ver como evolui a sua distribuição e a utilização como substituto do gasóleo. À semelhança de outras indústrias inovadoras, também a produção de biocombustíveis foi subsidiada pelos estados. Esses investimentos acabaram por não correr bem (em Espanha, a maioria das fábricas acabou por falir entre 2005 e 2013) e muitos deles são deficitários economicamente, não só, mas também pelas próprias alterações legislativas que foram ocorrendo e que não deixaram que os investimentos tivessem o seu tempo de maturação