
Zhang Yazhou estava sentada no banco do passageiro do seu Tesla Model 3 quando disse ter ouvido a voz em pânico do seu pai: ‘os travões não funcionam’. Ao aproximar-se de um sinal vermelho, o seu pai desviou-se de dois carros antes de embater em dois carros e depois numa grande barreira de betão. Mas o pior estava para vir: a Tesla viria a processá-la por difamação por reclamar publicamente sobre os travões do carro – e ganhou: Zhang foi condenada por um tribunal chinês a pagar mais de 23 mil dólares (mais de 22 mil euros) por danos e pedisse desculpas públicas à marca automóvel de Elon Musk.
Nos últimos quatro anos, a Tesla processou pelo menos seis proprietários de automóveis na China que tiveram problemas repentinos no veículo, reclamações pela qualidade ou acidentes que alegaram ter sido causados por falhas mecânicas – foram também à Justiça seis bloggers e dois meios de comunicação social chineses que escreveram de forma crítica sobre a empresa, avançou a agência ‘Associated Press’ – a Tesla venceu os 11 casos, sendo que dois julgamentos, incluindo o de Zhang, estão na fase de recurso: um dos casos foi resolvido fora do tribunal.
Esta não é uma prática comum das marcas automóveis — seja na China ou em qualquer outro lugar — processar os seus clientes. Mas a Tesla foi pioneira numa estratégia legal agressiva e alavancou o patrocínio de líderes poderosos no Partido Comunista da China para silenciar críticos, colher recompensas financeiras e limitar a sua responsabilização.
A Tesla tem lucrado com a ‘generosidade’ do Estado chinês, ganhando benefícios regulatórios sem precedentes, empréstimos com taxas abaixo do mercado e grandes isenções fiscais. Com algumas exceções pontuais, a Tesla tem desfrutado de uma cobertura amplamente positiva na imprensa chinesa, sendo que vários jornalistas disseram à AP que foram instruídos a evitar cobertura negativa da marca.
A sorte da marca de Elon Musk estendeu-se aos tribunais, e não apenas nas ações legais contra clientes. De acordo com a agência noticiosa, a marca automóvel americana venceu quase 90% dos casos civis sobre disputas de segurança, qualidade ou contrato.
O acidente de fevereiro de 2021 na província de Henan, no centro da China, enviou a mãe e o pai de Zhang, que tiveram uma concussão, para o hospital durante quatro dias. Zhang — que saiu ilesa do acidente, assim como a sua sobrinha bebé — quis saber como é que o carro dos seus sonhos transformou-se num pesadelo.
A polícia de trânsito determinou que o acidente foi culpa do pai porque não manteve uma distância segura. Zhang, no entanto, insistiu que os travões estavam com defeito, deixando o carro fora de controlo. Entrou com uma reclamação num regulador de mercado local, solicitando um reembolso e compensação. Pediu à Tesla que entregasse todos os dados pré-acidente do seu carro, esperando que isso ajudasse a explicar o que aconteceu. A Tesla recusou.
Viria a cobrir o seu carro danificado com uma faixa onde se lia “falha no travão da Tesla” à frente do concessionária Tesla em Zhengzhou, capital da província de Henan. No mês seguinte, estacionou o seu carro danificado do lado de fora de uma exposição de automóveis em Zhengzhou. Foi tudo em vão — a Tesla recusou-se a entregar os dados completos.
Os protestos subiram de tom num salão automóvel em Xangai: com uma amiga – também vítima de problemas no seu Tesla -, tornou-se viral nas redes sociais chinesas, tendo sido detida por cinco dias. Tornou-se então ‘alvo’ da Tesla, que avançou com um processo judicial, no qual a marca automóvel garantiu que Zhang espalhou deliberadamente informações falsas que prejudicaram a marca e pediu 684 mil dólares em danos.
Na mesma altura, na China, dezenas de proprietários da Tesla reclamaram publicamente sobre alegadas falhas nos travões, incêndios de bateria, aceleração não intencional e outros defeitos. Mas Zhang viria a ser condenada em tribunal. “Recuso-me a aceitar isso”, salientou, à ‘Associated Press’. “Como consumidor, mesmo que tenha dito algo errado, tenho o direito de comentar e criticar. Falei sobre os meus sentimentos como utilizador do carro. Não tem nada a ver com prejudicar a reputação deles.”
Mas, de acordo com um banco de dados do Governo chinês de processos judiciais publicados online, houve 81 julgamentos civis nas quais proprietários de carros processaram a Tesla por questões de segurança: os proprietários venceram apenas nove desses casos. “A Tesla vencer dessa forma é uma anomalia”, garantiu Bill Russo, fundador da Automobility Ltd., empresa de consultoria sediada em Xangai. “As probabilidades estão contra si. É como ir ao casino e ganhar todas as mãos.”
Nos EUA, a Tesla também foi alvo de uma série de reclamações de segurança de clientes e ações judiciais sobre função de piloto automático, carregamento de bateria, supostos defeitos de suspensão, travagem ou aceleração repentina, airbags defeituosos e práticas supostamente monopolistas em reparações e peças. Os juízes rejeitaram alguns casos. Noutros, a Tesla fez acordos fora do tribunal ou pagou acordos pesados.
A Tesla não processou publicamente nenhum dos seus clientes nos EUA por falar abertamente, embora em janeiro último Elon Musk tenha escrito na rede social ‘X’ que “talvez seja a hora” de processar os órgãos de comunicação social por cobertura que poderia manchar a marca Tesla.