As emissões de gases provocadas pelos carros movidos a combustíveis fósseis são uma das principais fontes de poluição atmosférica – um problema que a eletrificação das estradas procura solucionar. No entanto, um novo estudo indica que há algo ainda mais tóxico do que isso a ser produzido pelos automóveis…
A exposição à poluição atmosférica está associada a cerca de sete milhões de mortes prematuras por ano em todo o mundo. Esta, por sua vez, resulta em grande medida das emissões de gases de escape dos carros com motor de combustão interna.
Apesar de as emissões provocadas pelos automóveis alimentados por combustíveis fósseis serem verdadeiramente prejudiciais, uma investigação recente aponta outro problema: o pó que resulta do desgaste dos calços dos travões.
Desgaste dos calços dos travões é tóxico
O pó produzido pelo desgaste da estrada, dos pneus e dos travões, conhecido como “emissões não relacionadas com o escape“, são atualmente o principal tipo de emissões dos transportes rodoviários, ultrapassando as emissões de escape em muitos países europeus.
Destas, o pó dos travões é frequentemente o principal contribuinte. Contudo, ainda não está sujeito a regulamentação. Afinal, sabe-se muito menos sobre o potencial impacto deste pó na saúde do que dos gases emitidos pelo escape dos carros.
Para a investigação, os cientistas cultivaram células que imitam o revestimento do pulmão e expuseram-nas ao pó dos travões e ao dos gases de escape dos carros com motores de combustão interna.
🔎 O pó dos travões revelou-se significativamente mais nocivo para estas células em diferentes medidas associadas a doenças pulmonares, como o cancro e a asma.
Segundo James Parkin, da Universidade de Southampton, e Matt Loxham, da Faculdade de Medicina da mesma instituição de ensino, os resultados sugerem que há uma necessidade urgente de considerar a regulamentação das emissões não provenientes dos gases de escape.
A reformulação dos calços dos travões poderá reduzir os potenciais impactos das emissões na saúde.
Poluição atmosférica provocada pela mobilidade automóvel
Antigamente, os calços dos travões continham fibras de amianto para combater o sobreaquecimento.
No entanto, com a larga proibição deste material, devido a ligações a doenças pulmonares, a indústria automóvel precisou de conceber novos revestimentos, incluindo calços orgânicos sem amianto (em inglês, NAO), habitualmente utilizadas nos veículos modernos.
Os cientistas compararam a toxicidade do pó resultante do desgaste de diferentes tipos de calços.
Ironicamente, descobrimos que o pó dos calços NAO era mais tóxico para as células pulmonares, em comparação não só com o pó de outros tipos de calços, mas com o pó dos gases de escape dos carros movidos a combustíveis fósseis.
Alguns dos efeitos nas nossas células expostas estão relacionados com doenças como o cancro do pulmão, a fibrose pulmonar, a asma e a doença pulmonar obstrutiva crónica.
Investigações anteriores demonstraram que os metais presentes nas partículas de poluição atmosférica podem ter efeitos tóxicos. Por isso, os cientistas mediram o teor de metais nos diferentes tipos de pó de travões e de escape.
Por via de Inteligência Artificial, identificaram um elevado teor de cobre como a caraterística definidora do pó dos travões dos calços NAO e descobriram que este podia entrar nas células pulmonares expostas.
Curiosamente, a remoção do cobre do pó dos travões, com um produto químico para neutralizá-lo, reduziu os efeitos tóxicos inicialmente identificados, sugerindo que o cobre está a causar pelo menos algumas das propriedades nocivas deste pó.
Os investigadores escreveram, num artigo originalmente publicado no The Conversation, que “quase metade de todo o cobre no ar que respiramos provém do desgaste dos travões e dos pneus; vários estudos realizados por outros grupos de investigação concluíram que a exposição a concentrações elevadas de cobre está associada a uma função pulmonar deficiente e a um risco global de morte“.
Como se comportam os carros elétricos?
Embora a mudança para veículos elétricos elimine as emissões de escape, os investigadores alertaram que não eliminará o pó das estradas, dos pneus e dos travões.
Aliás, os estudos indicam que, como tendem a ser mais pesados, os veículos elétricos podem gerar mais pó não relacionado com os gases de escape do que os veículos a gasolina ou a gasóleo – “o rótulo de emissões zero não é claramente exato”, escreveram os investigadores.
Cientistas defendem que é preciso regulamentar estas emissões silenciosas
As próximas normas de emissões Euro 7 estabelecerão limites para as emissões de pó dos travões, estimulando a inovação no desenvolvimento de novos materiais de travagem ou de mecanismos de retenção.
Além disso, poderão dar maior ênfase à redução do tráfego e à conceção das estradas, de modo a minimizar o para-arranca e os estilos de condução agressivos – uma vez que ambos aumentam as emissões de pó dos travões.
Os investigadores escreveram que “as novas formulações de calços de travão podem reduzir o nível total de emissões de pó ou podem ser concebidas para excluir componentes tóxicos, à semelhança do que aconteceu com o amianto anteriormente”.