A administração da Tesla constituiu uma comissão especial encarregue de rever a remuneração de Elon Musk, um processo que poderá culminar com a atribuição de um novo pacote de opções de compra de ações ao CEO e fundador da empresa. A medida surge em plena incerteza sobre o futuro de Musk na Tesla e como resposta ao impasse jurídico em torno do seu pacote salarial de 2018, anulado por decisão judicial no início deste ano.
Segundo informações avançadas pelo Financial Times, a comissão é composta apenas pela presidente do conselho de administração da Tesla, Robyn Denholm, e por Kathleen Wilson-Thompson, administradora e antiga diretora de recursos humanos do grupo Walgreens Boots Alliance. Para além da possibilidade de apresentar uma nova proposta de remuneração, a comissão avaliará também formas alternativas de compensar Musk pelo desempenho passado, caso a empresa não consiga restaurar judicialmente o plano original de 2018.
O processo em curso no estado norte-americano do Delaware já dura há sete anos e tem como foco aquele que é considerado o maior pacote de remuneração alguma vez atribuído a um executivo nos Estados Unidos. Em janeiro de 2024, a juíza Kathaleen McCormick anulou a compensação, avaliando que o montante era “excessivo” e que o conselho da Tesla atuara como “servos subservientes de um mestre arrogante”. Na sua decisão, acusou os administradores de terem sucumbido à influência de Musk em detrimento dos interesses dos acionistas.
O pacote original previa a atribuição de 304 milhões de opções de ações, num total que valia 56 mil milhões de dólares à data da decisão judicial em janeiro. Esse valor atingiu um pico de 146 mil milhões de dólares em dezembro de 2023 e está atualmente avaliado em cerca de 98 mil milhões de dólares. Musk garantiu o direito de exercer essas opções no ano passado, depois de ter alcançado ambiciosas metas de valorização e desempenho financeiro definidas no plano.
Apesar da revogação judicial, a Tesla submeteu em junho de 2023 o mesmo pacote à votação dos acionistas, que aprovaram novamente a proposta. Ainda assim, a juíza McCormick rejeitou a tentativa de revalidação da remuneração, não reconhecendo valor legal à votação.
Caso o plano de 2018 venha a ser restaurado em sede de recurso pelo Supremo Tribunal do Delaware, a participação acionista de Elon Musk na Tesla passaria de cerca de 13% para mais de 20%, reforçando o controlo do empresário sobre a empresa.
Elon Musk tem vindo a pressionar a administração da Tesla no sentido de obter mais poder dentro da companhia. No início de 2024, ameaçou abandonar a fabricante de veículos elétricos se não fosse atribuído um controlo acionista mais alargado, defendendo que, sem deter pelo menos 25% das ações, não conseguiria proteger a Tesla de pressões externas nem garantir um desenvolvimento responsável da inteligência artificial na empresa. Paralelamente, Musk fundou a start-up de IA xAI em 2023, tendo-a fundido recentemente com a rede social X, anteriormente conhecida como Twitter.
O regresso mais frequente de Musk à sede da Tesla em Austin, Texas, nas últimas semanas, parece querer demonstrar um maior compromisso com a empresa. Esta presença mais visível surge depois de um período de afastamento, durante o qual o empresário assumiu um papel relevante na administração do presidente Donald Trump, liderando o chamado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE). O envolvimento político de Musk e a sua proximidade à administração Trump tornaram-se, entretanto, um fator de desgaste para a Tesla, numa altura em que as vendas de veículos elétricos caíram nos Estados Unidos e na Europa, e desaceleraram na China devido à crescente concorrência local e à guerra comercial iniciada por Trump.
A criação da comissão especial foi revelada de forma discreta, com apenas uma frase num documento entregue às autoridades no mês passado. Desde então, investidores institucionais de peso têm sido contactados pela Tesla para recolher opiniões sobre o futuro da liderança de Musk e a eventual reformulação do seu pacote de remuneração. Fontes próximas do processo indicam que a comissão ainda se encontra numa fase inicial, não tendo ainda definido qualquer proposta concreta nem garantido que avançará com uma nova estrutura salarial.
Caso venha a ser aprovado um novo plano, o mesmo estará sujeito às regras fiscais e societárias do Texas, estado onde a Tesla transferiu a sua sede jurídica no ano passado como forma de protesto contra o veredito desfavorável do tribunal do Delaware. Para esse efeito, a comissão especial contratou um novo escritório de advogados, McDermott Will & Emery, especializado em direito texano, abandonando a firma anterior, Sidley Austin.
No entanto, qualquer novo pacote poderá implicar custos significativos para a Tesla. A reatribuição das opções de ações já exercidas por Musk resultaria num encargo contabilístico superior a 50 mil milhões de dólares e implicaria uma taxa de tributação de 57% para o empresário, uma vez que as metas financeiras previstas no pacote de 2018 já foram ultrapassadas, tornando as opções “in the money”.
Entretanto, a própria direção da Tesla tem sido alvo de críticas, não apenas pela proximidade excessiva de vários dos seus membros a Musk, mas também pelos valores auferidos em remunerações e venda de ações. Em janeiro deste ano, vários administradores concordaram em devolver mais de 900 milhões de dólares em dinheiro e ações para encerrar um processo judicial que contestava a generosidade dos seus salários. Robyn Denholm, atual presidente do conselho, vendeu 538 milhões de dólares em ações da Tesla desde que assumiu funções em 2014, incluindo 198 milhões nos últimos seis meses, de acordo com dados da Insider Score.
As ações da Tesla têm vindo a recuperar após uma queda significativa iniciada em dezembro, mas continuam 32% abaixo do pico alcançado no final desse mês. O adiamento da assembleia-geral anual da empresa, tradicionalmente realizada em maio ou junho, poderá agora permitir à comissão especial mais tempo para preparar eventuais propostas de remuneração a submeter aos acionistas.
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