A recente decisão da China de aprovar um número limitado de licenças de exportação de terras raras trouxe algum alívio às cadeias de abastecimento globais, mas o setor automóvel europeu permanece exposto às estratégias de Pequim no domínio dos recursos críticos. A falta de transparência nos critérios de aprovação e o volume ainda reduzido das exportações continuam a alimentar a incerteza.
Na passada quinta-feira, o Ministério do Comércio da China anunciou, em conferência de imprensa, que tinha aprovado “um certo número” de pedidos de licenças de exportação de terras raras e ímanes. Estes materiais são essenciais na produção de uma vasta gama de equipamentos de alta tecnologia, desde smartphones a motores de aviões.
Entre os minerais críticos estão o neodímio, o disprósio e o térbio, indispensáveis para fabricar motores leves e de elevada eficiência, utilizados em veículos elétricos e híbridos. A decisão de Pequim surge após meses de tensão, iniciados em abril, quando a China impôs novos controlos à exportação de sete elementos de terras raras e produtos relacionados. A medida foi interpretada como resposta às tarifas agravadas impostas pelos Estados Unidos às importações chinesas.
He Yadong, porta-voz do Ministério do Comércio chinês, assegurou que o país continuará a “reforçar a análise e aprovação” dos pedidos de licença e manifestou abertura para “aprofundar a comunicação e o diálogo” sobre os controlos às exportações.
Este ajustamento no tom ocorre poucas semanas antes da cimeira UE-China, marcada para 24 e 25 de julho em Pequim, no âmbito das celebrações dos 50 anos de relações diplomáticas entre as duas partes.
Queda dramática nas exportações
Os dados das alfândegas chinesas revelam o impacto profundo das restrições implementadas. Em maio, as exportações de ímanes de terras raras caíram 74% face ao período homólogo, registando a descida mais acentuada em mais de uma década. As remessas para os Estados Unidos sofreram um colapso ainda maior, com uma quebra de 93%, de acordo com uma análise do Wall Street Journal. No total, as exportações fixaram-se em apenas 1,2 milhões de quilos, o valor mensal mais baixo desde o início da pandemia de COVID-19, em 2020. Já em abril, as exportações tinham recuado 45% em termos homólogos.
A empresa chinesa JL Mag Rare-Earth, fornecedora de ímanes para marcas como Tesla, Bosch e General Motors, confirmou na semana passada ter começado a receber licenças para exportação com destino aos Estados Unidos, Europa e Sudeste Asiático. Contudo, desde abril, centenas de pedidos de licença foram submetidos às autoridades chinesas, com apenas cerca de um quarto a receber luz verde. Algumas empresas relataram que lhes foi exigido o fornecimento de informações sensíveis em termos de propriedade intelectual, enquanto outras enfrentaram recusas com base em critérios pouco claros.
Dependência estrutural da China
Para Rico Luman, economista do ING, a dependência global em relação à China é evidente. “Com cerca de 70% da produção mundial de terras raras e mais de 90% do processamento a decorrer na China, o mundo continua fortemente dependente do país”, sublinhou. Embora estes minerais não sejam escassos em termos geológicos — o cério, por exemplo, é mais abundante do que o cobre —, a sua extração é dispendiosa e os depósitos com concentrações economicamente viáveis são raros. “Não se trata de escassez, mas de concentração”, acrescentou Luman.
A China assegura igualmente mais de 90% do fornecimento mundial de ímanes permanentes de terras raras, utilizados em motores elétricos e turbinas eólicas. A ausência de acesso a estes materiais pode paralisar a cadeia de fornecimento do setor automóvel europeu, alertam os especialistas.
Indústria automóvel europeia sob pressão
O setor automóvel europeu depende fortemente dos ímanes de terras raras para componentes como motores elétricos, direções assistidas e sensores, utilizados tanto em veículos de combustão como em modelos elétricos. Benjamin Krieger, secretário-geral da CLEPA (associação europeia de fornecedores automóveis), advertiu na primavera que “as restrições às exportações por parte da China já estão a paralisar a produção no setor fornecedor europeu”. O responsável defendeu a necessidade de um sistema de licenciamento “transparente e proporcional”, posição que mantém mesmo após a aprovação das primeiras licenças.
A Câmara de Comércio da União Europeia na China reconheceu progressos, mas salientou que os desafios persistem. “A situação está a melhorar, embora a percentagem de licenças aprovadas varie. Além disso, mesmo depois de concedida a licença, continuam a verificar-se atrasos nos desalfandegamentos”, afirmou Adam Dunnett, secretário-geral da entidade.
Pequeno alívio, grandes incertezas
A decisão recente de Pequim de aliviar algumas restrições representa apenas um tímido alívio para um setor já sob enorme pressão. A indústria automóvel europeia, que enfrenta simultaneamente o desafio da concorrência dos veículos elétricos chineses a preços mais baixos, permanece vulnerável a novas perturbações no fornecimento, atrasos e decisões unilaterais de Pequim, o que reforça o poder da China nas negociações comerciais globais.
Com a cimeira UE-China no horizonte, o tema das matérias-primas críticas promete estar no centro das discussões, numa altura em que a Europa procura reduzir a dependência de fornecedores estratégicos e garantir maior resiliência nas suas cadeias de valor.
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