Europa está a bater recordes de energia solar neste verão, mas o preço não baixa. Porquê?

Europa está a bater recordes de energia solar neste verão, mas o preço não baixa. Porquê?

Portugal, Espanha e os seus vizinhos nadam em energia fotovoltaica, mas pagam a luz a preço de ouro ao pôr do sol. O calor extremo, as paragens nas centrais nucleares e a falta de capacidade de armazenamento ou de melhores interligações tornaram as noites no calcanhar de Aquiles da rede elétrica europeia.

Verão com luz… cara

O verão é uma época paradoxal para o sector energético. Por um lado, as renováveis atingem números históricos. Junho foi o mês com maior produção de energia solar de sempre na União Europeia: impressionantes 45 TWh, mais 22% do que no ano anterior.

Por outro lado, muitos europeus viram a sua fatura de eletricidade duplicar ou até triplicar. Surge, naturalmente, a questão: se estamos rodeados de energia solar, por que pagamos mais? A procura dispara!

Bełchatów, na Polónia, é a maior central a carvão da Europa e uma das maiores do mundo. Localizada em Bełchatów, voivodia de Łódź, tem uma potência instalada de cerca de 5.472 MW. Utiliza lignite (carvão castanho) extraído localmente.

As vagas de calor que atravessam a Europa elevaram os termómetros para lá dos 40 °C em diversas regiões de Portugal, Espanha, França e Alemanha. Com os sistemas de ar condicionado no máximo, a procura de eletricidade aumentou substancialmente.

Segundo o relatório mais recente da Ember, a procura diária cresceu 14% em Espanha, 9% em França e 6% na Alemanha durante o mês de junho. Este aumento da procura já pressiona os preços da eletricidade. Mas o calor trouxe também problemas no lado da oferta.

As centrais térmicas não aguentam

O mesmo calor que faz aumentar a procura compromete a produção nas centrais tradicionais, sobretudo nas nucleares (como tem a Espanha e a França), que dependem de grandes quantidades de água dos rios para refrigerar os seus reatores.

Quando a água aquece demasiado, perde eficácia de refrigeração, forçando a redução ou até paragem da produção.

Como tal, a França tem sido a mais afetada. A sua rede de centrais nucleares, crucial na rede europeia, está com cortes de capacidade em quase todas as unidades. Mas o problema não é exclusivo do nuclear: na Polónia, a refrigeração de centrais a carvão está sob pressão constante; em Itália, o sobreaquecimento dos cabos da rede foi provavelmente a causa dos apagões de 1 de julho.

A França é o maior produtor de energia nuclear da Europa. Com cerca de 56 reatores em operação, consegue que mais de 60% da sua eletricidade provenha do nuclear. A Alemanha não nenhuma central nuclear ativa. O encerramento total foi concluído em abril de 2023. A Espanha tem 5 centrais em operação (7 reatores) e planeia o encerramento gradual até 2035.

Ou seja, no momento de maior necessidade, parte da produção convencional falha.

 

Falta armazenamento para a energia solar

A energia solar é a grande “salvadora”. Na Alemanha, a produção chegou a picos de 50 GW, cobrindo entre 33% e 39% da eletricidade do país. Com custo marginal quase nulo, os painéis solares cumprem o esperado: fornecem energia estável, abundante e barata durante o dia, mesmo com perdas de rendimento devido ao calor.

Mas à noite tudo muda. Ao pôr do sol, a produção solar desaparece, mas a procura mantém-se elevada. Com temperaturas elevadas até tarde e pouca capacidade de armazenamento (em baterias ou centrais hidroelétricas de bombagem), é necessário recorrer a centrais a gás e outras fontes fósseis, mais caras.

Atualmente, em Portugal existem cerca de 160 parques solares fotovoltaicos operacionais, dos quais aproximadamente 45 com mais de 5 MW de capacidade, totalizando cerca de 3,9 GW instalados (dados de 2023). Os primeiros cinco meses de 2025 já registaram um novo recorde, com a potência instalada a duplicar para 1 555 MW e a solar a representar 16,8 % do consumo nacional de eletricidade em maio.

O “spread” maldito

Este desequilíbrio, muita energia solar durante o dia e pouca capacidade para a aproveitar mais tarde, provoca um aumento brusco dos preços: spreads diários de até 400 €/MWh na Alemanha e 470 €/MWh na Polónia.

É este pico noturno, e não o preço médio, que inflaciona a fatura final.

A lição é clara: o desafio já não é apenas produzir energia renovável barata, mas saber geri-la. É urgente reforçar o armazenamento, comprando eletricidade barata ao meio-dia e vendendo-a à tarde, quando os preços disparam.

Mais interligações, mais eficiência

Também é essencial reforçar as interligações entre países europeus. A onda de calor não atingiu toda a Europa ao mesmo tempo: os picos de junho chegaram a Lisboa e Madrid num domingo, a Paris numa terça e a Berlim numa quarta-feira. Com melhores interligações, seria possível redistribuir energia solar barata entre os países, como Portugal, de forma mais eficaz, reduzindo o impacto nos preços.

Portanto, Portugal e os seus vizinhos europeus vivem uma abundância solar durante o dia, mas a falta de gestão, armazenamento e interligações faz com que paguemos caro precisamente quando o sol se põe.