“Big Brother” da Renault em Palencia permite produzir um veículo novo a cada 60 segundos

“Big Brother” da Renault em Palencia permite produzir um veículo novo a cada 60 segundos

A fábrica da Renault, em Palencia, Espanha, tem uma espécie de “Big Brother”. Fomos visitar uma das maiores unidades de produção da marca francesa e perceber que a Inteligência Artificial (IA) e outras tecnologias futuristas estão já na génese do fabrico automóvel da Renault.

Indústria automóvel de ponta na Renault

Caminhando pelos bastidores da fábrica de Palencia, percebe-se que há uma espécie de orquestra, onde o maestro conduz a obra de forma alinhada, sem falhas. Ecrãs inteligentes da plataforma Plant Connect ditam, com precisão milimétrica, cada etapa da produção.

São estes sistemas que asseguram que as portas do Austral se ajustam na perfeição à carroçaria, que a pintura do Rafale é aplicada sem falhas e que acelerador e travão estão corretamente instalados no Espace.

Embora à vista desarmada tudo pareça simples, a complexidade é notável. A operação exige o processamento diário de cinco mil milhões de dados, um volume que só a IA consegue gerir com eficácia.

É por isso que a Renault impulsiona, de forma pioneira, a transformação digital da unidade de produção, alcançando um feito impressionante: um novo veículo a cada 60 segundos.

Renault: IA, Metaverso e Google Cloud

A fábrica da Renault em Palencia, situada em Villamuriel de Cerrato, é hoje um dos pilares da modernização industrial do grupo francês. Inaugurada em 1978, estende-se por 166 hectares e conta com cerca de 2000 colaboradores.

Esta unidade é dedicada à montagem de modelos como o Austral, Rafale e Espace, e… produz um novo veículo a cada 60 segundos, exportando mais de 85% da sua produção para mais de 50 países.

Nos últimos anos, a fábrica tornou-se um exemplo de inovação. Com o sistema Plant Connect, apoiado pela Google Cloud, são processados diariamente mais de 5000 milhões de dados, essenciais para garantir a qualidade em tempo real, através de IA, visão computacional e scanners 3D de alta precisão.

Desde o seu lançamento em 2019, o metaverso impulsionou mais de 300 projetos, gerando 700 milhões de euros em poupanças. Na prática, isto significa uma maior visibilidade em todas as etapas de produção, uma melhor capacidade de resposta a eventos imprevistos e uma redução significativa dos custos.

Além disso, integra um metaverso industrial com mais de um milhão de gémeos digitais (ou digital twins), usado para simulações e formação.

O que são gémeos digitais?

Gémeos digitais (ou digital twin) são réplicas virtuais altamente detalhadas de objetos, sistemas ou processos do mundo real. No contexto industrial, como na fábrica da Renault em Palencia, um gémeo digital pode representar uma peça, uma linha de montagem ou até um veículo inteiro.

Estes modelos permitem simular, monitorizar e prever o comportamento real com base em dados em tempo real. A grande vantagem é poder testar melhorias, prever falhas, treinar equipas ou afinar processos sem interromper a produção física.

Assim, os gémeos digitais são ferramentas centrais na chamada Indústria 4.0, ajudando a aumentar a eficiência, a segurança e a sustentabilidade das operações.

Mais informação: digital twin

Desde 2021, conseguiu reduzir em 26% o consumo energético por veículo e adotar práticas sustentáveis com recurso a energias renováveis e reciclagem superior a 99%. Ao longo da sua história, Palencia já produziu mais de 8 milhões de veículos, incluindo 5 milhões de unidades do icónico Mégane.

Esta fábrica representa hoje o equilíbrio entre tradição e futuro, com uma produção altamente tecnológica, eficiente e ambientalmente responsável.

Gestão colossal é feita de forma silenciosa

A prova de que, por vezes, o tamanho não importa pode refletir-se na sala reservada para albergar este sistema. Não ocupa nem metade de um espaço com 130 lugares e não é comparável às instalações de estampagem, soldadura, pintura e montagem da fábrica de Palencia.

Contudo, José Martín Vega, diretor do Polo Industrial Vehículo Iberia e da fábrica de Palencia, alertou:

A IA vai permitir-nos dar um salto no mundo industrial do automóvel, na Renault Espanha, no Grupo Renault e nas demais marcas nos próximos quatro, cinco ou seis anos.

Se não se destaca pelo tamanho, destaca-se tanto pela localização como pela inovação.

Este “Big Brother” está situado no coração da fábrica de Palencia e no seu interior encontram-se os seus diferentes “braços” em forma de dez ecrãs – oito laterais, um de alertas e outro end to end – que permitem acompanhar em tempo real os indicadores operacionais e comerciais, bem como os possíveis problemas no processo de produção.

O valor acrescentado desta sala é que é capaz de recolher três milhões de dados por minuto de todo o tipo de dados, desde que uma pessoa encomenda um carro até que os sistemas logísticos enviam as encomendas aos diferentes fornecedores em todo o mundo.

Esta gestão de milhões de dados só é eficaz se for muito bem estruturada desde o início, como acontece com o Plant Connect.

Explica José Martín Vega.

Como um cérebro virtual, este sistema baseado em regras lógicas e algoritmos de IA funciona como uma simulação da direção da fábrica de Palencia, detetando automaticamente os problemas prioritários e contactando através do Microsoft Teams o responsável adequado para resolver o erro num determinado prazo.

O sistema gere as prioridades que considera mais urgentes para serem tratadas e propõe um plano de ação, encaminhando-o para uma pessoa e para um prazo em que deve ser tratado. Ou seja, toma decisões. Essa tomada de decisões não é autónoma, tem de passar por nós. Nós validamos, verificamos se o sistema está realmente a propor coisas lógicas; e posso dizer que, após vários meses, o sistema aprende a tal velocidade e está programado com parâmetros que cada vez acertam mais.

 

Como funciona este “Big Brother” da Renault, em Palencia?

Em cena, o processo é simples, separando o funcionamento de cada área da produção por duas cores:

🟢 Verde, que indica que não há nenhum erro.

🔴 Vermelho, que significa que há algo a precisar de ser corrigido.

Por exemplo, no caso de ocorrer um alerta vermelho na montagem, todas as informações relacionadas com este alerta serão partilhadas com o responsável pelo departamento, aumentando a agilidade e a rapidez na resolução do problema.

Desta forma, o sistema oferece uma visão global, segmentada nas seguintes etapas:

  1. Encomendas;
  2. Fornecedores;
  3. Inbound (logística de peças para a fábrica);
  4. Produção (estampagem, chapagem, pintura e montagem);
  5. CLE (centro logístico de entrega);
  6. Outbound (logística de veículos da fábrica para os clientes).

Na perspetiva de Raquel Ortega, subdiretora da Renault Palencia, “a vantagem do Plant Connect é que podemos ser mais reativos na tomada de decisões e na resolução de problemas”.

Afinal, “em 15 minutos”, é possível rever como funcionou o processo de produção do dia anterior, enfatizando os problemas que atrasaram “o nascimento” de um novo veículo.

Além desses alertas operacionais, o sistema baseado em IA é capaz de lançar propostas de ações preditivas.

Segundo Raquel Ortega, este método é capaz, por exemplo, de propor a potência que temos de assegurar no dia seguinte, permitindo economizar uma grande quantidade de megawatts. Ou, no momento de ligar os fornos, especialmente na fábrica de pintura, a IA ajuda a lidar com o desperdício quando está em causa a gestão das temperaturas nos fornos.

A IA é usada para proporcionar uma radiografia completa, onde são vislumbrados detalhes na produção que seriam praticamente impercetíveis a olho nu.

Tudo isto, graças ao Polo Manufacturing que, entre outros sistemas, desenvolveu um sistema de controlo visual de qualidade com uma configuração de 30 câmaras que capturam até 130 imagens de alta resolução.

Entre outras inovações, destacam-se as seguintes:

  • Connection Control: um sistema que permite verificar, por exemplo, a conexão adequada do limpa-para-brisas traseiro ou das luzes, garantindo assim o funcionamento correto desses elementos;
  • Double AI: uma tecnologia de visão já integrada nos sistemas ADAS que, no processo de produção, permite eliminar o risco de erro nos postos de trabalho através da deteção de anomalias;
  • Gap and Flush Tunnel: um sistema que realiza um controlo geométrico dos veículos através de um arco no final da produção, onde mais de 50 câmaras de alta precisão contribuem para a otimização contínua da qualidade através de 112 fotografias em cada veículo;
  • Scanner 3D: um scanner tridimensional portátil que consegue fazer o estudo geométrico de uma peça em menos de 30 minutos em qualquer ponto da instalação;
  • Controlo Térmico e de Ruído: implementado na área de montagem da fábrica de Palencia, que permite uma deteção precisa das fontes de ruído, melhorando significativamente o conforto acústico e a qualidade percebida dos veículos.

Conforme referiu José Martín Vega, juntamente com a IA, o metaverso é uma parte fundamental para melhorar o desempenho, a agilidade e a resiliência das operações industriais.

O Grupo Renault desenvolveu “uma alavanca poderosa”, criando a sua própria plataforma, reconhecida hoje como uma das mais avançadas do setor, com quatro pilares principais:

  • Infraestrutura digital resiliente em cada fábrica;
  • Captura de dados diretamente de cada peça de equipamento industrial;
  • Gémeos digitais que reproduzem em tempo real as operações das oficinas, o funcionamento dos equipamentos e os fluxos de veículos;
  • Fornecimento de dados às equipas operacionais, através de uma “torre de controlo” ou casos de uso aumentados com IA.

Atualmente, o Plant Connect reforça e acelera a competitividade da Renault a partir de Palencia.