De litros a quilowatts: a nova linguagem da mobilidade

De litros a quilowatts: a nova linguagem da mobilidade

Num mundo em aceleração elétrica, deixar de pensar em litros e passar a pensar em kWh não é apenas uma questão de vocabulário. É aceitar que a estrada mudou. E que a forma como a percorremos também evoluiu.

Pensar em quilowatt-hora aos 100 km

Durante anos, medir o consumo de um automóvel era um exercício quase automático. Sabíamos de cor o que era um carro “económico” ou “gastador” com base numa métrica simples: litros por cada 100 quilómetros.

Era um raciocínio partilhado entre gerações de condutores. Dizer que um carro fazia sete litros aos cem era tão comum quanto comentar o tempo. Essa métrica, quase emocional, fazia parte da cultura automóvel.

Mas hoje, com o crescimento da mobilidade elétrica, somos chamados a reaprender a linguagem da eficiência. E nesta nova era, a unidade é outra e centra-se no quilowatt-hora (kWh).

A transição não é apenas técnica. É também mental. Um carro elétrico consome energia elétrica, não combustível fóssil. A energia passa a medir-se quilowatt-hora (kWh), e o consumo diz-nos quantos kWh são necessários para percorrer 100 km.

Parece simples. E é. O desafio está em criar novos referenciais mentais, porque muitos condutores ainda não sabem se 20 kWh/100 km é muito ou pouco. Mas com um pouco de contexto, essa dúvida desvanece-se.

Exemplo prático

Tomemos como exemplo o Honda e:Ny1. Um SUV compacto, 100% elétrico, pensado para uma condução confortável, eficiente e com algum dinamismo.

Tem uma potência de 150 kW (o equivalente a cerca de 204 cavalos) e uma bateria com 68,8 kWh de capacidade útil.

Como calcular a autonomia de 400 km

Fórmula:

\text{Autonomia} = \frac{\text{Capacidade útil da bateria (kWh)}}{\text{Consumo (kWh/100 km)}} \times 100

Exemplo com bateria de 73 kWh:

\text{Autonomia} = \frac{73}{18{,}2} \times 100 \approx 401{,}1\ \text{km}

O consumo médio situa-se nos 18,2 kWh/100 km, o que lhe permite, em condições reais, uma autonomia próxima dos 400 km.

Isto significa que, para percorrer 100 quilómetros, gasta sensivelmente o equivalente a 2 euros em eletricidade (considerando um preço médio de 0,11 €/kWh em carregamento doméstico).

Como calcular o custo por 100 km

Dados:

Consumo médio: 18,2 kWh/100 km

Preço da eletricidade (carregamento doméstico): 0,11 €/kWh

Fórmula:

18{,}2 \times 0{,}11 = 2{,}002\ \text{€}

Claro, tudo dependerá do estilo de condução, do clima e do tipo de estrada, mas o raciocínio é este: energia elétrica em vez de combustível líquido, kWh em vez de litros.

Como era antes

Agora vejamos o contraponto, continuando com a Honda e um dos seus modelos mais icónicos. Falamos do Civic, na sua versão com motor 1.5 VTEC Turbo a gasolina.

Este familiar compacto, com 182 cavalos, consome em média cerca de 6,1 litros aos 100 km.

A preços atuais, isso equivale a um custo de cerca de 11 euros por cada 100 km percorridos, ou seja, consideravelmente caro em relação ao seu “irmão” elétrico.

Claro que o Civic tem autonomia superior numa só viagem e a facilidade de reabastecimento rápido, mas em termos de eficiência pura e custos de utilização, o elétrico já começa a mostrar clara vantagem.

Experiência muito diferente

Mas a diferença não se faz apenas nas contas. A própria experiência ao volante muda. No e:Ny1, o binário máximo está disponível de imediato. Basta um toque no acelerador e o empurrão é imediato, contínuo, silencioso.

No Civic, a resposta é progressiva, acompanhada pelo crescendo do regime do motor, mais visceral, mais mecânica. São sensações diferentes, quase simbólicas da própria transição entre duas formas de mobilidade.

E depois há a questão do planeamento. O depósito de combustível de um Civic enche-se em menos de cinco minutos. Já no e:Ny1, carregar a bateria pode demorar entre meia hora (em carregamento rápido) e várias horas em corrente alternada.

Aqui, a mobilidade elétrica pede outro tipo de organização, pensar nos carregamentos em casa, planear viagens mais longas com paragens estratégicas. Para muitos, este é o maior ajuste a fazer. Mas também é verdade que, com hábitos consistentes e carregamentos noturnos, a maioria das necessidades diárias fica resolvida sem esforço.

Mudança de paradigma

Esta mudança de paradigma exige que deixemos para trás o modo automático com que interpretávamos os dados de consumo. É preciso reaprender, reaplicar, reavaliar.

Tal como um dia aprendemos o que significava um carro gastar 9 litros aos 100, também aprenderemos o que representa consumir 19 kWh.

O importante é perceber que estamos a viver essa transformação agora e que os números só contam uma parte da história. Estamos a deixar para trás décadas de hábitos mentais e vocabulário enraizado, para abraçar uma nova forma de pensar e de viver a mobilidade.

E tal como ontem perguntávamos “quantos litros gasta?”, amanhã, inevitavelmente, perguntaremos: “quantos kWh consome o teu elétrico?”